De Volta à Minha Varanda

Pois é meus amigos, aqui estou eu, de volta à minha varanda depois de dez longos anos de hiato onde priorizei escrever  dois romances. Depois de tanto tempo, achei por bem retomar essa atividade tão revigorante onde a interação com o leitor é mais frequente. O objetivo segue o mesmo: compartilhar com vocês alguns pensamentos e reflexões, sempre na busca de inspirar-nos (sim, o objetivo é o de inspirar a vocês e a mim mesmo) no caminho de melhorarmos como seres humanos.

E gostaria de começar falando da enorme e preocupante dissociação que por vezes se interpõe  entre nossos discursos e nossas ações. Não raro, nossa imagem e nosso som estão em preocupante desalinho.

Frequentemente escutamos, seja de nossos familiares, de amigos, e até mesmo de figuras públicas como políticos e “influencers”, que precisamos construir um mundo melhor, onde sejamos melhores pessoas, e que já é passada a hora de concretizarmos uma sociedade mais humana. Porém, para nossas frustrações, nos vemos amiúde muito distantes dessa realidade.

Então pergunto; já que a grande maioria de nós está convencida de que o mundo, a essa altura do jogo, já deveria estar num lugar melhor do que está, por que ainda segue tão atrasado do ponto de vista moral? Por que o egoísmo ainda reina? Por que será que, nos imperativos do dia a dia, ainda seguimos com nossas rotinas ensimesmadas, esperando que o mundo melhor seja construído por alguma autoridade legal, líder religioso ou por algum político que ingenuamente idolatramos?

Tenho uma teoria a respeito e a comparto humildemente aqui com vocês. Creio que por vezes permitimos que exista em cada um de nós um abismo enorme entre aquilo que pensamos ser necessário fazer, e aquilo que de fato estamos dispostos a fazer, em prol deste tal “mundo melhor”.

Para ilustrar o que quero dizer, tomemos aqui os exemplos opostos, dados pelo escritor Mark Manson e pela estrela do rock Bruce Springsteen no que tange a tornar-se um músico de sucesso.

Em seu livro intitulado “A Sutil Arte de Ligar o F...-se”, um “Best Seller” mundial que recomendo a leitura, Mark descreve de maneira muito pitoresca sua frustrada intenção juvenil de tornar-se uma estrela do Rock. Quando adolescente, Mark estava inebriado com a ideia de se tornar um guitarrista de sucesso. Imaginava-se no palco encantando a plateia, fazendo solos intermináveis, arrancando suspiros das mocinhas e extasiando os mocinhos. Hipnotizado por tal sonho, Mark comprou uma guitarra e...nada aconteceu. E a razão, segundo ele mesmo, é muito simples. Ele estava apaixonado pelo produto final, mas não pelo processo de produzi-lo. Quando se deparou com a dificuldade de aprender a tocar um instrumento e as horas de estudo e dedicação necessárias para chegar ao seu objetivo, rapidamente perdeu o interesse. Para a sorte de seus leitores, Mark descobriria sua real vocação algum tempo mais tarde.

Agora detenhamo-nos por um momento em um exemplo exitoso. Bruce Springsteen detalha em sua autobiografia (que também recomendo) o encantamento que nele causou a primeira aparição de Elvis Presley na TV americana nos anos 50. Após ter visto tal figura requebrando-se  na tela de sua TV, Bruce já sabia dentro de si o que queria fazer de sua vida. Sua família tinha posses limitadas e não podia pagar pelas aulas de música, mas ele não desistiu. Seguiu “brigando com o instrumento”, lutando até altas horas em seu quarto para tirar os primeiros acordes, até aventurar-se na primeira banda, ainda formada por adolescentes. Passou por privações, viajou pelos Estados Unidos tocando para plateias diminutas, recebeu várias negativas até finalmente conseguir gravar o primeiro disco. O resto é história.

A diferença com Mark? Bruce amava o produto final que existia apenas em sua visão, mas tinha dentro de si também a predisposição em passar pelo penoso processo para chegar ao nível de superestrela, que tocaria um dia para estádios lotados e viria a nos propiciar “hits” eternos como “Born to Run”.       

E o que teria isso a ver com a nossa intenção de construirmos um mundo melhor? Simples, meus caros amigos. Tal e qual Mark Manson, vez por outra nos vemos apaixonados pelo produto final, mas não com o processo necessário para se chegar até lá. Muitas vezes não estamos dispostos a fazer as mudanças necessárias em nós mesmos para que isso seja viável. Compramos a guitarra, mas esperamos que ela aprenda a tocar-se sozinha.

Focados em nosso dia a dia, não é incomum que acabemos por adotar uma postura passiva, esperando que os outros sejam polidos no trânsito, que a escola eduque nossos filhos, que a TV um dia nos mostre bons exemplos, que nossos cônjuges nos tratem amorosamente, que o caixa do supermercado seja simpático, que o político seja honesto e incorruptível, que os demais realizem boas ações, que o chefe seja menos materialista e mais justo em seu julgamento para conosco, e nos frustramos profundamente quando essas coisas não acontecem, perdendo as esperanças de que o mundo melhor um dia se materialize.

Mas onde fica então a nossa responsabilidade no processo de criarmos um mundo melhor? Quando nos olhamos no espelho, temos a fortaleza necessária de nos perguntar se estamos dando nossa parcela de contribuição? Estamos dando passagem no trânsito? Estamos tomando com coragem a responsabilidade de educar nossos filhos para que eles também façam desse mundo um lugar melhor? Estamos devotando aos nossos cônjuges o amor que  também tanto carecem? Somos simpáticos com o caixa do supermercado, cansado de sua rotina e frustrado com seu ganho limitado? Somos nós, incorruptíveis? Somos nós tão ou mais materialistas que aqueles que consideramos em posição de julgar? Realizamos atos de caridade? Ou soberbamente imaginamos a caridade como sendo geradora de ociosos e vagabundos?          

Como disse Gandhi em sua celebre frase; “Temos de ser a mudança que queremos ver no mundo”. Temos que começar por nós mesmos. Fica aqui a minha invocação para que, nesse processo coletivo de construirmos um “lugar melhor”, sejamos mais Bruce que Mark. Que a visão nos encante, mas que estejamos também dispostos a “brigar com os instrumentos” até que brotem as mais belas “melodias”. Que tal iniciarmos essa reforma íntima hoje mesmo?

O mundo melhor começa pela pessoa do espelho.

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