Estou Sendo Deserto ou Oásis?

Alguns dias atrás tive a oportunidade de interagir com uma pessoa muito querida, uma dessas raras amizades que venceu a prova do tempo e sobreviveu a todas as estações de nossas vidas. Compartilhamos com aguda preocupação, nossas análises sobre o momento de energia conflituosa que atravessamos. Ao compararmos nossas experiências nas mídias sociais e aplicativos de mensagens, sentíamos uma tristeza profunda ao ver a intolerância imperar, sendo impossível não notar que a vala que, em um passado não tão distante, separava as diferentes visões de mundo, está, lenta, porém consistentemente, expandindo-se e convertendo-se em verdadeiro abismo irreconciliável.   

Concordávamos no fato de que, sem dar-nos conta, estamos sendo constantemente manipulados por estas mesmas mídias sociais e aplicativos de mensagens, que se beneficiam do conflito instigado por líderes irresponsáveis. Líderes estes que de maneira inconsequente, radicalizam posições e, sem pestanejar, estimulam a não-aceitação do outro por este pensar de forma diferente. Demonizam opositores, transformando-os na personificação do mal. Como consequência, ingenuamente equalizamos líderes e seguidores, fazendo desses últimos, pessoas “do mal” por uma associação no mínimo pouco inteligente (quando não, mal-intencionada). Em decorrência desta errônea conclusão, amigos deixam de interagir (se eliminam nos aplicativos e evitam se encontrar), familiares rompem seus laços, irmão se opõe a irmão, pais e filhos já não se respeitam, e o “nós e eles” passa a ser “nós contra eles”.

E o mais triste, é ver pessoas que compartilham os mesmos credos, frequentam os mesmo templos, leem o mesmo evangelho (ou outro livro sagrado), traírem suas próprias crenças ofendendo ao outro com “posts” e dizeres que os ridicularizam por pensarem de outra forma, para logo depois, marcarem presença em seus cultos e pregarem o amor ao próximo.

E todo esse dano em nossas relações humanas, potencializado pela tecnologia, serve apenas para engordar os lucros dos aplicativos, que tem seus tráfegos de informação (quase sempre não verdadeira) ampliados exponencialmente em função de nossas conflituosas interações, enquanto vemos propagandas que subliminarmente se gravam em nossos sub-conscientes. Eles instigam o conflito. Querem o conflito. Lucram com o conflito. E, enquanto isso, involuímos como seres humanos (como referência, recomendo que assistam o documentário “O Dilema das Redes”, no original em inglês “The Social Dilema”, e ao final desse texto, lhes deixo o trailer do Youtube). Sem contar que os tais líderes, hoje ferrenhos opositores, podem um dia converterem-se em aliados em função de novos interesses, e certamente se aposentarão com polpudas contas correntes, enquanto nosso capital humano ficou em algum ponto pelo caminho.

Ao finalizar a conversa, trocamos mensagens de positivismo e esperança, e pactuamos em não compartilhar do deserto em que as relações humanas estão pouco a pouco se convertendo. Decidimos por seguir postando mensagens inspiradoras nas mídias sociais, por ignorar a posição ideológica das pessoas que amamos, pela tolerância irrestrita das diferenças existentes entre nós e nossos amigos e parentes. Afinal, estejamos conscientes desse fato ou não, todas essas tais diferenças são passageiras e circunstanciais. Tudo passa. O que não deveria passar são as amizades, os parentescos, a família.

Decidimos que, apesar de nossas posições ideológicas e de nossos credos serem bastante sólidos e amadurecidos, não permitiríamos que tais posicionamentos fossem maiores que nossas relações humanas.

Ao colocar o meu telefone de lado naquele dia, a sensação que tive foi de que acabara de experimentar um momento de paz e harmonia, após dias e dias testemunhando apenas o negativismo e o conflito. Em meio ao deserto, eu havia encontrado naquela interação virtual, um pequeno e renovador oásis. E então pensei; é disso que precisamos. Adotar de forma intencional, tanto no mundo real como no virtual, uma atitude oásis, buscando fazer exatamente o oposto daquilo que vem sendo propagado de forma massacrante e extenuante.

E do que se trataria essa tal atitude oásis? Pois é bastante simples. Basta analisarmos nossas interações humanas, seja em pessoa ou virtualmente, e buscarmos entender se o que estamos propagando está alinhado ou não com os preceitos do amor ao próximo. Perguntemos a nós mesmos se o que estamos emanando está servindo aos propósitos de Deus ou os está negando. Antes de apertarmos o “enviar” nos “posts”, questionemos se Jesus (ou qualquer que seja o seu ponto de referência espiritual) também os enviaria, ou “curtiria” o conteúdo. Antes de tratarmos aqueles que pensam ou agem diferente com agressividade e repulsa, pensemos que o mestre dos mestres invitou um coletor de impostos, que servia aos inimigos (Romanos), para ser seu seguidor, e mais tarde, seu maior evangelista. Lembremos que ele preferiu por um bom tempo, pregar na Samaria, região opositora, em muitos aspectos, da Judéia. Ou seja, a ele pouco importavam as diferenças e oposições. Seu propósito estava acima dessas questões menores e temporárias.

Em outras palavras, não basta irmos ao templo, escutarmos os ensinamentos e dizermos amém. Há de se vivenciar tais ensinamentos. Como sugere a frase atribuída a São Francisco; preguemos o evangelho, porém só usemos palavras quando necessário, pois o que conta mesmo é a nossa atitude no dia a dia.

O mundo tem sede de tolerância, caridade e acolhimento. Lembremo-nos disso em nossa próxima interação humana, real ou virtual. Governos passam. Líderes passam. Porém, nossa atitude para com o próximo (e aqui repito o post de Júlio/22, isso vale para todo e qualquer próximo) é o que vai decidir aquilo que não passa, que é o nosso legado humano e espiritual. Legado esse que vale mais do que qualquer resultado de eleição, de opção ideológica, sexual ou religiosa alheia. Se nossa jornada terrena acabasse hoje, nosso legado lembraria mais um deserto, ou um oásis?

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Mas o que é mesmo essa tal empatia?