Oito ou Oitenta

Podemos afirmar com certo grau de segurança, que considerável parte de nossa energia é investida na tentativa constante, voluntária ou compulsória, de satisfazer ou impressionar alguém. Seja por questões laborais, onde forçosamente nos vemos impelidos a buscar agradar nossos chefes, superiores ou formadores de opinião; seja no nosso ambiente doméstico, onde as percepções que aqueles que nos cercam tem de nós podem influenciar diretamente na paz de nossas relações; ou mesmo em situações sociais diversas como a igreja, o clube, e até por que não dizer, no flerte com a pessoa que atrai, por uma motivação ou outra, estamos sempre nos esforçando para causar boas impressões. 

Porém, ao fazermos essa ginástica diária na busca de agradar a gregos e troianos, seja por razões legítimas ou imaginárias, muitas vezes nos violentamos, nos anulamos, nos ferimos. E se permitirmos que tais esforços cheguem ao exagero, podemos chegar ao infortúnio de nos desfigurar e até perder um pouco de nossa identidade, e na maioria das vezes, acabamos por desvalorizar-nos como indivíduos.

Se tomarmos um momento para nos questionar sobre estas ações, que muitas vezes se manifestam de forma não tão evidente, chegaremos a inevitável conclusão de que a maioria delas tem suas raízes em algum tipo de medo inconsciente.

Por diversas vezes em sessões de Coaching, quando lidando com dificuldades geradas por algum tipo de ansiedade exacerbada ou insegurança limitante, toco no assunto dos medos e a reação é invariavelmente a mesma. “Não tenho medo de nada”, costumam me responder os clientes, buscando demonstrar uma bravura que não passa de puro orgulho imaturo, ou mesmo de uma assustadora ausência de autoconhecimento.

A verdade é que todos sentimos algum tipo de medo, que se manifesta usando as máscaras de diferentes formas de ansiedade e preocupação. Seja porque o chefe é uma pessoa difícil (medo da rejeição e de uma possível perda do emprego), ou porque os pais têm expectativas não realistas (medo de ser insuficiente e não ser querido por alguém tão importante), ou porque uma relação amorosa está passando por um momento difícil (medo da perda e de não ser amado), o temor do sofrimento nos faz alterar nossos comportamentos e buscamos agradar e impressionar tais pessoas na esperança de reverter o quadro angustiante. E é justamente nesses momentos que acabamos por tomar decisões, muitas vezes com ramificações de longo prazo, que acabam por reorientar nossas vidas para direções não tão desejadas. Aceitamos situações, alteramos planos, declinamos convites e oportunidades, e vivemos tempo suficiente para nos arrepender.

Como diz uma velha máxima budista, “Toda dor vem do desejo de não sentirmos dor”.

Mas afinal, como podemos então lidar com tais pressões e expectativas oriundas do mundo a nossa volta? Que podemos fazer para satisfazê-las e ao mesmo tempo, manter nossa integridade?

Cada uma das situações apresentadas acima pedirão respostas diferentes. Quiçá no ambiente profissional deveremos ter em perspectiva que relações laborais baseadas no medo não nos levarão a lugar algum, e podem, no longo prazo, causar estafas mentais e físicas que levam a enfermidades. No ambiente doméstico e familiar, nada substitui uma boa conversa olho no olho, com sinceridade e assertividade, deixando claro como certas situações nos afetam emocionalmente. Nos ambientes sociais, quiçá deveríamos buscar somente nos sobressair pelo conteúdo de nossas contribuições e permitir que elas falem por si mesmas. Em resumo, de uma maneira ou de outra, impressionar as pessoas que nos cercam deve ser o resultado natural de nossas qualificações e de nossas boas intenções na gestão de cada relação, seja ela profissional, amorosa, de parentesco ou amizade.

Mas existem duas “pessoas” que legitimamente deveríamos buscar impressionar constantemente, e essas “pessoas” são interessantes variações de nós mesmos. O nosso eu de oito anos de idade e o nosso eu de oitenta.

Façamos brevemente tal exercício.

Se você pudesse voltar atrás no tempo e se transformasse na criança que você foi, como veria sua versão adulta? Aquele(a) garoto(a) que tinha a cabeça e o coração cheios de sonhos e aspirações puras e integras olharia para você com orgulho ou com frustração? Esses olhinhos infantis veriam em você o adulto que elas gostariam de ter se tornado? Ou tal adulto perdeu a trilha em alguma curva sinuosa do caminho?

Agora orientemo-nos na direção contrária. Avancemos no tempo e busquemos enxergar o mundo pelos olhos de um você ancião, que já viveu tudo que tinha por viver, e agora olha para um passado que lhe traz diversas emoções. Ao olhar para este momento de sua vida, este ancião se sente bem ou mal impressionado? Ele se lembra desta fase com orgulho ou angústia? Ele secretamente desejaria voltar no tempo para reviver tais momentos, ou preferiria esquecê-los?

Ao fazermos tais exercícios reflexivos é inevitável adquirir uma avaliação mais clara e nítida sobre a forma como estamos vivendo esse momento específico de nossas vidas. Se as respostas a tais perguntas trouxeram uma feliz sensação de que ambos, o você criança e você ancião, estariam felizes e bem impressionados com o você de hoje, isso certamente significa que você segue em bom caminho, e que não resta outra coisa a fazer que seguir adiante. Porém, se as respostas trouxeram uma sensação desconfortável e frustrante, faz-se necessário repensar o rumo. Sempre há tempo para correções de rota, por mais difíceis que sejam.          

Sugiro refazer tal exercício de tempos em tempos. Talvez nas passagens de ano? Nos aniversários? Não importa a frequência ou a data preferida. O que importa é que seu eu criança e seu eu ancião estejam sempre bem impressionados com a sua versão atual. E se estiverem, segue adiante resoluto, pois apenas eles merecem contínuo e sincero esforço de sua parte. Sempre.

E se você já é parte do seleto grupo daqueles vitoriosos que já somam oitenta primaveras, espero que olhando em retrospectiva, sua trajetória lhe traga ternos sorrisos e aprazível nostalgia. Você já os fez por merecer.  

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